Se eu falasse de ti diria todos os medos ancestrais à deriva nas noites silenciosas diria todos os sobressaltos que suspendem a respiração e desafinam o marcar das horas. Traçaria lentamente a linha que percorre sinuosa o mapa do que escreves e os lugares onde inseres a tua palavra tantas vezes estranha como se fosse um lugar que nunca se visitou. Não há como falar de ti porque se o fizesse teria que dizer tudo de cada instante intermitente que habita o núcleo da minha imaginação. Não há como falar de ti do modo como se organizam elementares sensações. Falar de ti só poderia ser o caos onde moram as palavras mais difíceis de encontrar. Poderia falar dos espaços siderais e encontrar aí repouso. Há uma paz especial na distância que é preciso percorrer para alcançar as estrelas mais longínquas. Uma viagem hipotética é sempre um lugar incerto onde é possível habitar. Mas esta outra viagem real é um ficar aqui à procura das palavras que te diriam. Qualquer coisa como delírio pontuado com calma. Qualquer coisa como insensatez plena de senso. Qualquer coisa como o sentir a que disse adeus enquanto o mar me tocava no verão passado. E agora tu és um presente desconhecido um lugar de espanto renovado um tempo de ficção tão improvável como a vida depois da morte. Tudo isto eu diria de ti se fosse capaz de dizer algo sobre ti. Na verdade não sei dizer-te a não ser com sensações não conheço as palavras que podem traduzir-te. Pensando bem... talvez nenhuma te defina mas sinto... há muitas sensações para te descrever. Deveria eu utilizar um método qualquer mais credível? um por via do qual fosse possível dizer-te com rigor? O óbvio é: não existe possibilidade alguma de te dividir em momentos ou etapas partes ou capítulos. O que há para dizer de ti é só este bloco instável de emoções e é assim julgo que as coisas mais autênticas podem ser gravadas. Ainda que não existas e mesmo que as palavras sejam somente uns puzzles aliciantes nos quais nos perdemos voluntariamente. Portanto deve ser por isso que falo de ti e que o faço como se existisses. Deve ser por isso que te levo comigo à deriva na imaginação...
5 comentários:
Melhor do que terminar é começar desta maneira..."Se eu falasse de ti diria todos os medos ancestrais à deriva nas noites silenciosas..." - Gosto,muito!
Ana Paula,
Belo em demasia para comentar.
Por leio outra vez e nada digo.
Um abraço.
Muito obrigada, João :)
Muito obrigada, Miguel :)
Momentos de introspecção... partilhada.
Abraços!
"Qualquer coisa como insensatez plena de senso."
Nossa definição dual...
Beijocas da leitora.
Prosa poética no seu melhor
como um rio a desaguar
em pleno voo
Bj
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