segunda-feira, 14 de junho de 2010

...de ti

Se eu falasse de ti diria todos os medos ancestrais à deriva nas noites silenciosas diria todos os sobressaltos que suspendem a respiração e desafinam o marcar das horas. Traçaria lentamente a linha que percorre sinuosa o mapa do que escreves e os lugares onde inseres a tua palavra tantas vezes estranha como se fosse um lugar que nunca se visitou. Não há como falar de ti porque se o fizesse teria que dizer tudo de cada instante intermitente que habita o núcleo da minha imaginação. Não há como falar de ti do modo como se organizam elementares sensações. Falar de ti só poderia ser o caos onde moram as palavras mais difíceis de encontrar. Poderia falar dos espaços siderais e encontrar aí repouso. Há uma paz especial na distância que é preciso percorrer para alcançar as estrelas mais longínquas. Uma viagem hipotética é sempre um lugar incerto onde é possível habitar. Mas esta outra viagem real é um ficar aqui à procura das palavras que te diriam. Qualquer coisa como delírio pontuado com calma. Qualquer coisa como insensatez plena de senso. Qualquer coisa como o sentir a que disse adeus enquanto o mar me tocava no verão passado. E agora tu és um  presente desconhecido um lugar de espanto renovado um tempo de ficção tão improvável como a vida depois da morte. Tudo isto eu diria de ti se fosse capaz de dizer algo sobre ti. Na verdade não sei dizer-te a não ser com sensações não conheço as palavras que podem traduzir-te. Pensando bem... talvez nenhuma te defina mas sinto... há muitas sensações para te descrever. Deveria eu utilizar um método qualquer mais credível? um por via do qual  fosse possível dizer-te com rigor? O óbvio é: não existe possibilidade alguma de te dividir em momentos ou etapas partes ou capítulos. O que há para dizer de ti é só este bloco instável de emoções e é assim julgo que as coisas mais autênticas podem ser gravadas. Ainda que não existas e mesmo que as palavras sejam somente uns puzzles aliciantes nos quais nos perdemos voluntariamente. Portanto deve ser por isso que falo de ti e que o faço como se existisses. Deve ser por isso que te levo comigo à deriva na imaginação...

5 comentários:

João Videira Santos disse...

Melhor do que terminar é começar desta maneira..."Se eu falasse de ti diria todos os medos ancestrais à deriva nas noites silenciosas..." - Gosto,muito!

Miguel Gomes Coelho disse...

Ana Paula,
Belo em demasia para comentar.
Por leio outra vez e nada digo.
Um abraço.

Ana Paula Sena disse...

Muito obrigada, João :)



Muito obrigada, Miguel :)



Momentos de introspecção... partilhada.


Abraços!

tiaselma.com disse...

"Qualquer coisa como insensatez plena de senso."

Nossa definição dual...

Beijocas da leitora.

Mar Arável disse...

Prosa poética no seu melhor

como um rio a desaguar

em pleno voo

Bj

The Beggar Maid
Sir Edward Burne-Jones
Theseus in the Labyrinth
Sir Edward Burne-Jones

Obrigada!

Veio do aArtmus

Obrigada!

Veio do Contracenar

Obrigada!

Obrigada!

Dedicatórias

Todos os textos - À Joana e à Marta