Era uma rapariga e caminhava em direcção à vida pois tinha muito que fazer. Mais tarde era uma mulher sentada na esplanada ali mesmo na curva da estrada e já não sabia se o que havia a fazer seria capaz de mover os seus passos. Ao longe quase vislumbrava além dos edifícios e das ruas que entre eles serpenteavam um instante futuro onde podia ver que nada havia a fazer com ela porque já nada tinha para fazer. Foi essa quase-visão de um futuro inútil que espicaçou o seu ânimo. Movia-se para fazer qualquer coisa e não importava o quê. Da inutilidade não reza a história que também não narra o que é útil tão-só o que é escolhido. Ela era um ser humano que se interrogava acerca da sua humanidade. Foi quando ele surgiu caminhando ao lado porque tinha imenso que fazer. Entre as coisas que fizeram estava uma conversa. Mas essa não importa para nada. As interrogações também quase não contam. Quero dizer eu que narro a história: o que conta não é nada disto e por isso não me alongarei muito mais a contá-lo. O que escolho para ficar aqui registado é apenas o que ficou marcado como elos entre os dois. É bem sabido que os elos são o que conta para manter um caminhar lado a lado com muito para fazer. Portanto vejamos os elos em causa para contar o que aconteceu. Quando ela lhe deu a mão e ele sentiu a pele cálida e macia junto à sua. Quando ele lhe sorriu encontrando os seus olhos e ela franziu o sobrolho porque se sentiu invadida. Quando ela riu com vontade da piada sem importância com que ele se lembrou de enfrentar a inevitabilidade da morte. Quando ele lhe ofereceu um grande livro que ela queria ambos sabendo que pouco tempo tinham para o ler. E um dia cada um deles aqueceu uma refeição para o outro. Numa noite fria e cansada quando só o sono podia reparar as almas quebradas num mundo em aflição. Antes do sono ainda se beijaram mas foi quando o corpo dela se encolheu no dele que o mundo lá fora ganhou todo o sentido. Pela manhã as luzes de Natal na sala cintilaram à espera de outro dia.
Mas é preciso lembrar: sou eu a contar a história e o que ela nos diz não tem que ser o que aconteceu. Somente aquilo que eu escolhi se escreveu.
6 comentários:
E escolheu com maestria.Prenderam-me em seus elos tais palavras.
Beijoca da amiga.
Um belo e profundo conto. São os elos, sim, o que conta num caminhar lado a lado; o sorriso, o olhar, a refeição, entretecem o sentido do mundo, sem cujo afectividade nada é real.
Ana Paula
Não lhe posso dizer quanto me disse o seu conto. Apenas lhe digo que gostei imenso, e que acho que ela não deixou de se interrogar!
Um beijo
Realidade e ficção
um belo casamento
BEM SEI , minha querida Ana... NESTAS situações só contam as palavras que escolhemos, para dizer o que queremos que seja dito...
BEIJOS DE LUSIBERO
Ana Paula, há uma oferta para você no meu espaço. Espero que não repare!
Beijocas de sua leitora.
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