quinta-feira, 9 de julho de 2009

No reino de OZ

Ser boazinha costuma tornar-se uma coisa aborrecida. Acontece com todas as coisas bastante previsíveis. Mas aqui tudo se trata de ficção e eu posso criar a história como quiser. Até posso criar uma história aborrecida. Se não repara:
Eu estava sentada numa mesa daquelas corridas onde o aborrecimento rapidamente se instala quando desde logo se prevê a exibição do teatro do mundo. Não que eu tenha alguma coisa em desfavor do teatro nada disso pelo contrário até amo de paixão. Mas prefiro o tipo de representação que diz meus caros agora vamos representar. E é uma tarefa nobre e elevada. Mas naquela mesa a representação era tão previsível que não conseguia cativar. Claro eu não tinha ao meu lado o eleito e o eleito de então estava afastado na mesa corrida representando um papel já bem memorizado. Não te preocupes serei justa - eu própria participava da cena e também tinha o meu papel. Igualmente memorizado. Sem dúvida e em comparação neste tipo de interpretação tu sabias os gestos e as falas muito melhor do que eu.
Mas adiante na história para não ficar aborrecida demais. Até porque eu também sou mazinha. Mas não o suficiente para te dizer que a decepção se instalava de morte. Não me arrependo de não o ter dito. Afinal somos todos humanos e decepcionantes por vezes. Por outro lado não posso deixar de o dizer porque há não-ditos que acorrentam o nosso ser a uma mesa corrida onde a verdadeira vida corre fugidia sem nada para guardar. A não ser a pequena maldade de contar esta história bastante aborrecida onde acabo por dizer o que não disse.
Qual é o momento onde se descobre essa inútil pretensão de ser Deus? de fulminar os outros com um olhar e prostrá-los a seus pés em absoluta adoração? A vã ambição de querer replicar as psiques julgando conhecê-las todas e dominá-las formatá-las? Eu podia explicar-te isto filosoficamente mas a história ficaria aborrecida demais para ti. Melhor será falar desta pequena vingança que consiste apenas em te magoar sem te magoar. Continuarás impune pois eu sou boazinha demais a bem dizer p'ra punir alguém. Sou tão humana enternecida p'lo humano dói-me sempre castigar.
Mas digo-te mesmo os bons estratagemas têm eficácia relativa. Pela repetição podem aperfeiçoar-se mas também degradar-se. Sei que possuis a técnica o engenho. Mas perdeste a arte. De me cativar. Sabes para mim Deus não tem rosto. E apesar de tu o teres esta minha benevolência extrema tão humana e aborrecida acaba por te respeitar. Acabou assim por te aceitar ali sentado na mesa corrida representando esse teatro do mundo. E eu complacente. De um modo terrível e sufocante. Foi por isso que parti. Felizmente tinha ali à mão os meus sapatos vermelhos voadores. Foi essa magia de emergência que me projectou directamente para este reino de Oz. Que é onde me encontro agora enquanto te conto esta história aborrecida. E o único caminho de regresso é livre. Se tudo correr bem levo o Homem de Lata comigo. Arranjei-lhe um coração de verdade.




Imagem DAQUI


8 comentários:

ARTISTA MALDITO disse...

Olá Ana Paula

Já cá tinha estado, mas nunca comentei. Cada palavra dita nesta publicação me tocou fundo:

"call-and-response":

a condizer, as batidas do Jazz, um bom swing, precisamente o jazz de uma época que me diz tanto.

Beijinho grande
Isabel

Sensualidades disse...

adoro o fimle e as cores que tem

Jokas

Paula

tiaselma.com disse...

Nada como uns bons sapatos voadores... E homens, com coração de verdade, para regressarem conosco não à mesa corrida, mas à vida sorvida em plenitude.

Beijocas da leitora.

ARTISTA MALDITO disse...

Voltei, Ana Paula, porque cada vez mais compreendo as saudades da literatura e cultura americanas.

"call-and-response": as batidas de um coração, pode ser o da própria América, esmagada no seu ideal pastoril pela mecanização.

Foi só para completar o meu pensamento anterior.

Vou embora antes que me entusiasme. Ninguém me atura quando vibro:))

Beijinhos
Isabel

Anónimo disse...

Vou dizer que gostei muito porque gostei mesmo muito e não tenho palavras a acrescentar ao que já está dito. Palpitações de um coração de lata... Beijo!

vbm disse...

No fundo, foste mesmo como "Deus",
nilpotente como ele, imitando-o
na complacência de tudo o que é,
em coformidade com tudo o que há.

Mié disse...

Olá Ana paula
:)

...dá sempre muito jeito ter à mão uns sapatos vermelhos voadores

..."eu é mais" um par de patins em linha... para ser mais rápida a saída :))

brincadeiras à parte, belíssimo texto. Gostei muito de o ler, como sempre.

Canta o Rui Veloso na canção "Anel de Rubi" "não se ama alguém que não ouve a mesma canção"

um beijinho muito grande

e muito terno

Mateso disse...

... mas afinal o homem de lata que pensava não ter coração, até tinha ( segundo a história), logo o coração existe pode é não estar sempre presente... ehehehe! Ausência de acto, digo eu.
...............
No teatro do mundo os corações ausentam-se muito para os bastiadores. A peça fica uma mera representação técnica. è a vontade dos empos.
Adorei.
Bjs.

The Beggar Maid
Sir Edward Burne-Jones
Theseus in the Labyrinth
Sir Edward Burne-Jones

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